Sinto o meu corpo a tremer devido
ao frio. Quer dizer, não tenho a certeza se é apenas devido ao frio, mas
prefiro acreditar que sim.
Eu já não tenho a certeza de nada.
Quando penso que as coisas estão a avançar e que estou no caminho certo para
melhorar, deparo-me com outro obstáculo que me tolda a visão e me deixa a
pensar. Quantas mais noites me custará isto? Eu sei lá. Cada noite perdida me
pesa mais no corpo. Não sei qual é a pior das dores: se a da alma, se a causada
pelo cansaço. As minhas fontes de força estão a fechar-se, e eu sinto o fim a
aproximar-se. O calor do Inferno atrai-me de uma forma impensável.
Sinto uma grande atração pelo fogo.
Pequeno, subtil, capaz de destruir cidades e devastar populações. Difícil de
apagar, de extinguir. Persistente. Eu gosto de brincar com o fogo. Gosto de ver
as coisas a arderem, a desfazerem-se, a desaparecerem. Não há nada que o fogo
não faça desaparecer. Agora que penso nisso, a cremação é, de facto, a melhor
maneira de uma pessoa se purificar. O fogo elimina tudo o que nos diferencia
fisicamente dos outros e solta a alma, para que esta parta e procure a sua
verdadeira casa, o seu verdadeiro dono.
É estranho, estou numa batalha
constante comigo mesma. Quero deixar de me preocupar com as pessoas, mas
continuo a pôr a felicidade dos outros à frente da minha. Quero combater o que
sinto e voltar a ser feliz, mas eu não sei ser ‘’normal’’. Isto recorda-me de
quando eu e o meu ex-namorado acabámos. Eu não sabia ser solteira. Tinha vivido
tanto tempo sendo namorada, que já não sabia viver sozinha. Não tinha amigos.
Não era capaz de ser sociável e falar com pessoas. Demorei mais ou menos meio
ano a avançar, e pouco mais de um ano a sentir que estava pronta para amar
alguém. Sinto que com a doença é o mesmo. Eu não sei ser uma pessoa saudável,
que fala de coisas normais, vai a festas, tem muitos amigos,… Vivo há tanto
tempo presa nesta angústia constante, que até a minha personalidade se formou
baseada na mesma. Por natureza, eu sou fechada e tímida, cheia de dúvidas,
insegura, sempre pronta a explodir. Se eu me curar, ninguém lidará comigo,
nunca. Ninguém achará que eu tenho direito a ser assim. De qualquer das formas,
a diferença entre sentir-me sozinha e estar sozinha não me parece muito
diferente.
Eu não entendo porque faço isto a
mim mesma. Era só eu mudar a minha atitude, e tudo ficava diferente. Já tentei.
Muitas vezes. Por mais forte que seja a minha necessidade de mudar, nunca
consigo. Ando diferente durante uns tempos mas depois volto ao mesmo. E a cena
é que eu sei que, se eu não mudar, o resto não vai modificar-se sozinho. Tudo
depende de mim, mas parece que nem dando o meu máximo consigo.
Hoje a médica perguntou-me:
<<é o corpo que está a
crescer mais rápido do que a cabeça, ou a cabeça que está a crescer mais rápido
do que o corpo?>>
Toda a gente me diz que sou mais
madura do que é suposto, que me preocupo demasiado quando não devia,… Eu não me
preocupo assim tanto, de facto. Eu simplesmente não sou capaz de ser
indiferente. Para mim, toda a gente é importante. Cada vez fico mais frustrada
comigo mesma por não poder ajudar toda a gente. Juro que ponho em causa a minha
vida para proteger a de outra pessoa. Afinal de contas, eu não dou valor à
minha vida.
Os dias mal passados parecem não
ter fim. Quando recebo uma boa notícia, aparece logo alguém para me dar um soco
no estômago. Não é que me custe a engolir o facto de as pessoas não quererem
falar comigo, é só que fico triste que as pessoas que disseram que me iam
apoiar começam a afastar-se, e eu não posso ficar sozinha com os meus
pensamentos. Cheguei a um ponto em que não só as noites, mas também os dias,
são passos a divagar. Eu analiso tudo o que todos fazem, faço uma lista mental
das consequências, incluindo cenários de como tudo decorrerá, o que tal
significa para mim, para o grupo em que estou, para o mundo. Até mesmo para
olhares, toques subtis, gestos, tiques, palavras que são usadas muitas vezes,
faço sempre esta análise. Existem inúmeros contextos e circunstâncias e num
segundo, eu sei exactamente o que vai acontecer a seguir derivado daquilo que
sucedeu. Não sei se é comum ou não fazer este tipo de análise constantemente.
Mas esta é a minha forma de perceber o comportamento humano, o que é correto e
incorrecto. Não me sinto humana a maioria do tempo. Nunca consigo ser uma
pessoa regular. Sou muito imprevisível. Incerta. Sou um risco que ninguém está
disposto a correr.
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