sábado, 9 de maio de 2015

Medo


Sinto o meu corpo a tremer devido ao frio. Quer dizer, não tenho a certeza se é apenas devido ao frio, mas prefiro acreditar que sim.

Eu já não tenho a certeza de nada. Quando penso que as coisas estão a avançar e que estou no caminho certo para melhorar, deparo-me com outro obstáculo que me tolda a visão e me deixa a pensar. Quantas mais noites me custará isto? Eu sei lá. Cada noite perdida me pesa mais no corpo. Não sei qual é a pior das dores: se a da alma, se a causada pelo cansaço. As minhas fontes de força estão a fechar-se, e eu sinto o fim a aproximar-se. O calor do Inferno atrai-me de uma forma impensável.

Sinto uma grande atração pelo fogo. Pequeno, subtil, capaz de destruir cidades e devastar populações. Difícil de apagar, de extinguir. Persistente. Eu gosto de brincar com o fogo. Gosto de ver as coisas a arderem, a desfazerem-se, a desaparecerem. Não há nada que o fogo não faça desaparecer. Agora que penso nisso, a cremação é, de facto, a melhor maneira de uma pessoa se purificar. O fogo elimina tudo o que nos diferencia fisicamente dos outros e solta a alma, para que esta parta e procure a sua verdadeira casa, o seu verdadeiro dono.

É estranho, estou numa batalha constante comigo mesma. Quero deixar de me preocupar com as pessoas, mas continuo a pôr a felicidade dos outros à frente da minha. Quero combater o que sinto e voltar a ser feliz, mas eu não sei ser ‘’normal’’. Isto recorda-me de quando eu e o meu ex-namorado acabámos. Eu não sabia ser solteira. Tinha vivido tanto tempo sendo namorada, que já não sabia viver sozinha. Não tinha amigos. Não era capaz de ser sociável e falar com pessoas. Demorei mais ou menos meio ano a avançar, e pouco mais de um ano a sentir que estava pronta para amar alguém. Sinto que com a doença é o mesmo. Eu não sei ser uma pessoa saudável, que fala de coisas normais, vai a festas, tem muitos amigos,… Vivo há tanto tempo presa nesta angústia constante, que até a minha personalidade se formou baseada na mesma. Por natureza, eu sou fechada e tímida, cheia de dúvidas, insegura, sempre pronta a explodir. Se eu me curar, ninguém lidará comigo, nunca. Ninguém achará que eu tenho direito a ser assim. De qualquer das formas, a diferença entre sentir-me sozinha e estar sozinha não me parece muito diferente.

Eu não entendo porque faço isto a mim mesma. Era só eu mudar a minha atitude, e tudo ficava diferente. Já tentei. Muitas vezes. Por mais forte que seja a minha necessidade de mudar, nunca consigo. Ando diferente durante uns tempos mas depois volto ao mesmo. E a cena é que eu sei que, se eu não mudar, o resto não vai modificar-se sozinho. Tudo depende de mim, mas parece que nem dando o meu máximo consigo.

Hoje a médica perguntou-me:

<<é o corpo que está a crescer mais rápido do que a cabeça, ou a cabeça que está a crescer mais rápido do que o corpo?>>

Toda a gente me diz que sou mais madura do que é suposto, que me preocupo demasiado quando não devia,… Eu não me preocupo assim tanto, de facto. Eu simplesmente não sou capaz de ser indiferente. Para mim, toda a gente é importante. Cada vez fico mais frustrada comigo mesma por não poder ajudar toda a gente. Juro que ponho em causa a minha vida para proteger a de outra pessoa. Afinal de contas, eu não dou valor à minha vida.

Os dias mal passados parecem não ter fim. Quando recebo uma boa notícia, aparece logo alguém para me dar um soco no estômago. Não é que me custe a engolir o facto de as pessoas não quererem falar comigo, é só que fico triste que as pessoas que disseram que me iam apoiar começam a afastar-se, e eu não posso ficar sozinha com os meus pensamentos. Cheguei a um ponto em que não só as noites, mas também os dias, são passos a divagar. Eu analiso tudo o que todos fazem, faço uma lista mental das consequências, incluindo cenários de como tudo decorrerá, o que tal significa para mim, para o grupo em que estou, para o mundo. Até mesmo para olhares, toques subtis, gestos, tiques, palavras que são usadas muitas vezes, faço sempre esta análise. Existem inúmeros contextos e circunstâncias e num segundo, eu sei exactamente o que vai acontecer a seguir derivado daquilo que sucedeu. Não sei se é comum ou não fazer este tipo de análise constantemente. Mas esta é a minha forma de perceber o comportamento humano, o que é correto e incorrecto. Não me sinto humana a maioria do tempo. Nunca consigo ser uma pessoa regular. Sou muito imprevisível. Incerta. Sou um risco que ninguém está disposto a correr.

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